segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

«Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo»

Esta citação de Herberto Helder que vem, como informa Rui Torres, da entrevista dada a Eduardo Prado Coelho, ilustra bem a conhecida tendência do poeta de re-escrever a sua própria obra. Na opinião de Maria de Fatima Marinho, autora do artigo intitulado Herberto Helder: para uma estética de modificação onde analisa as alterações feitas pelo poeta, Herberto Helder é até «quase incapaz de reeditar uma obra sua sem a reler - sem a transformar» (citação de Maria de Fatima Marinho atrás de Rui Torres).
De facto, Herberto Helder começou a publicar em 1958, com um livro de poesia O Amor em Visita. A publicação em 1963 de Os Passos em Volta, obra de prosa poética, trouxe-lhe uma notoriedade imensa, de que ainda vem gozando. Como afirma Maria Henriquês (http://aaventurainterior.blogspot.com/), «dez anos depois, em 1973, começa um dos processos antológicos mais interessantes da literatura portuguesa, com Poesia Toda, que republicará em volumes sequencialmente mais magros».

Porquê mais magros? Porque, conforme a análise de Maria de Fatima Marinho feita sobre as re-edições de Ofício Cantante, Poesia Toda Os Passos em Volta, as mais correntes alterações dizem respeito a várias supressões:
  • supressão de redundâncias; 
  • supressão de sinais enfáticos, de ah e oh exclamativos;
  • eliminação de «elementos que contribuem para uma intensificação que redunda em repetição: pronome possessivo adjunto, pronome pessoal sujeito, artigo definido antes do possessivo, duplicação do mesmo adjectivo ou substantivo» (citação de Maria de Fatima Marinho atrás de Rui Torres).

    Outras preocupações do poeta, relativas a elementos estilísticos, são: 
  • mudança de posição de adjectivos e advérbios;
  • substituição do artigo indefinido pelo definido;
  • passagem de pronome reflexo de terceira pessoa para o de primeira pessoa;
  • alteração de adjectivos, substantivos e verbos por menos banais;

    A estes juntam-se também alguns de cariz mais formal, como por exemplo:
  • mudanças na divisão de versos e estrofes.

    Estas mudanças na verdade pequenas e, diríamos, cosméticas, devem ter uma grande importância para Herberto Helder, uma vez que lhes dedica tantas releituras das suas obras antes de as reeditar. Ilustram a tese modernista que o poema nunca constitui um produto acabado e provavelmente constituem movimentos estratégicos na luta do poeta com esta matéria indomável que é a linguagem. Ou, talvez, é mais uma experiência literária, uma manifestção do experimentalismo poético, de que Herberto Helder gosta tanto (cf. http://aaventurainterior.blogspot.com/2008/10/entrevista-herberto-helder.html).


1 comentário:

  1. Muito boa entrada, centrada num tópico importante da escrita de Herberto Helder e que convoca os saberes da crítica. Gostaria, no entanto, de saber se aquilo a que chamas "mudanças pequenas", poderão ser mesmo consideradas "cosméticas". Na crítica de Maria Fátima Marinho, há depois uma análise das consequências em termos de significado dessas pequenas alterações? É que a mudança de um artigo de definido para indefinido, pode ter consequências consideráveis, como passar de uma individualização a uma generalização, por exemplo.

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