quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A propósito das crónicas

         Quanto à escrita de autores que percorrem entre os géneros da crónica e do romance, constata-se em geral que «o primeiro (a crónica) tende a expressar-se como uma espécie de ensaio na configuração das estratégias narrativas para a elaboração do segundo» (Rodrigues 2009). Como afirma Inara de Oliveira Rodrigues, citando Davi Arrigucci Jr., «(...) de fato os escritores como que se preparavam, por esse meio [a crónica], para um género maior e na aparência mais seguro por seu próprio inacabamento - o romance» (Arrigucci Jr. 1987: 47, cit. por Rodrigues 2009).

O próprio António Lobo Antunes parece confirmar esta constatação, uma vez que diz na entrevista: «(...) aquilo era uma espécie de quase itinerário paralelo aos romances. E acabou por haver muitas coisas que me serviram de transfusão e que acabei por aproveitar para romances, etc.». No entanto, e o que constitui um facto curioso, segundo Oliveira Rodrigues, que nesta questão concorda com Carlos Reis, o caso de Lobo Antunes é diferente, já que na sua escrita é a ficção que contribui para a crónica, e não o contrário. Isto devido tanto à  ordem cronológica das suas publicações (a sua produção romanesca madura é anterior à escrita das narrativas breves), como também a remodelação empreendida na construção narrativa das suas crónicas. A remodelação esta, nas palavras de Carlos Reis citadas por Oliveira Rodrigues, constitui uma «consequência da revisitação de um mundo que o escritor conhece» por via da ficção que tem escrito, «sobretudo aquela em que reconhecemos a marca forte da lembrança pessoal e do testemunho autobiográfico» (Reis 2003: 30, cit. por Rodrigues 2009). A única diferença consiste na procura do escritor de respeitar «contingências enunciativas e pragmáticas que caraterizam a crónica», isto é: a extensão limitada do texto, as expectativas de um público de jornal e a periodicidade da publicação cronística..
Outra vez encontramos a confirmação destas teses nas próprias palavras de Lobo Antunes, que disse na entrevista:
«(...) nessa altura apareceu-me uma proposta do Vicente Jorge Silva, que dirigia o Público, na altura, para escrever as crónicas, e eu na altura precisava daquele dinheiro. E... não sabia muito bem, pensava, bom, isto é para sair num suplemento de domingo, tenho de fazer umas coisas curtas e leves.
[Entrevistador:]Porque é que tinham que ser coisas leves?
[ALA:] Porque era para ser lido ao domingo...» (grifo meu).
 Assim sendo, apesar de as crónicas de António Lobo Antunes parecerem nascer dum pragmatismo resultante dum problema financeiro do escritor («as crónicas começaram por problemas financeiros, foram numa altura em que a editora estava mal, não havia dinheiro...(...)e eu na altura precisava daquele dinheiro.») e de aparentemente serem negligenciadas pelo próprio autor («Mas para mim, durante muito tempo, eram coisas que eu fazia o mais depressa que podia, e fazia-as, simplesmente, com uma ideia alimentar. (...) O que pretendo é voltar para o romance, percebes, e então o que faço é escrevê-las no intervalo de dois capítulos.»), constituem indubitavelmente um «prolongamento renovado de sua escrita romanesca» (Rodrigues 2009).


RODRIGUES, Inara de Oliveira (2009) "Efemeridade e permanência no Livro de Crónicas, de António Lobo Antunes", Navegações (Porto Alegre), v. 2, nº 2, pp. 141-146 http://ala.nletras.com/livros/cronicas.pdf

Sem comentários:

Enviar um comentário