segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Da faceta heterdoxa de Herberto Helder

Maria Henriquês, autora dum blogue sobre Herberto Helder, escreveu que «de Herberto Helder (...) pouco se sabe, além de que se chama Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, nasceu no Funchal, a 23 de Novembro de 1930, e reside em Lisboa, com a mulher, Olga.» Esta afirmação é, claro, bastante exagerada, já que se conhece muitos factos da vida do poeta (que, aliás, prova uma das minhas entradas anteriores - Herberto Helder). Mas a autora da frase queria provavelmente deste modo dar a relevância ao facto de que a partir dum certo momento, nomeadamente do ano 1968, Herberto Helder vive num dos mais zelosos anonimatos, evitando a vida mediática.

As fontes declaram que foi em ano 1968 quando o poeta deu a última entrevista. No entanto, esta informação revelou-se a mim pouco verosímil quando descobri que há referências a entrevistas posteriores, como por ex. uma carta enviada à revista Abril em 1977 ou uma entrevista dada a Eduardo Prado Coelho a 4 de Dezembro de 1990.
Contudo, pode-se admitir que foram umas excepções e que, em geral, desde 1968 Herberto Helder evita aparecer nos média e dar entrevistas, e vive em auto-reclusão.

O ano 1968 foi o ano em que o poeta se envolveu na publicação de um livro sobre o Marquês de Sade, publicação essa que resultou em um processo judicial no qual Herberto Helder foi condenado. Devido às repercussões deste episódio conseguiu obter suspensão de pena, mas mesmo assim foi despedido da Rádio e da Televisão portuguesas. Refugia-se na publicidade e, posteriormente, numa editora. Ainda nesse ano publicou os livros Apresentação do Rosto, que foi suspenso pela censura, O Bebedor Nocturno e ainda Kodak e Cinco Canções Lacunares.

Apesar de publicar, nos anos seguintes, mais algumas obras, entre as quais Cobra (1977), O Corpo, o Luxo, a Obra (1978) e Photomaton & Vox (1979), remeteu-se ao silêncio. E falou dele, numa carta enviada em 1977 à revista Abril, endereçada a Eduardo Prado Coelho: «O que é citável de um livro, de um autor? Decerto a sua morte pode ser citável. E, sobretudo, o seu silêncio».

Em 1994 recusou o Prémio Pessoa, «por razões pessoais e secretas».

Em 2007, António José de Almeida pretendia fazer um documentário para RTP2. Herberto Helder pediu aos amigos que não falassem dele. O documentário, Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro, acabou por ser feito, mas apenas adensou o mistério em torno da figura do poeta, já que 17 das 29 pessoas contactadas pela produção se recusaram a dar o seu testemunho.  
Como afirma Maria Henriquês, «essa faceta heterodoxa do poeta – alheado por completo da vida mediática, não recebendo prémios, não concedendo entrevistas desde 1968 – é bem conhecida e, de algum modo, até contraproducente para a divulgação da sua obra». Se isso é tão contraproducente como se afirma, pode ser um tema de discussão, pois há quem diga que este comportamento resulta duma estratégia de marketing (o ar de mistério aumenta a sua popularidade e curiosidade dos leitores e faz com que comprem as suas obras). 

O verdadeiro motivo da sua reclusão não é conhecido. Creio, talvez ingenuamente, que afastando-se da vida mediática e da crítica literária, o poeta tenta transmitir a mensagem que o que realmente vale na literatura é a própria literatura e não o que a rodeia. Se calhar, tenta apagar a sua pessoa na consciência do público para dar o relevo à sua poesia e permitir-lhe dizer por si mesma. Ou, simplesmente, Helder dá pouca importância à crítica, ou até a negligencia como autor, o que se reflecte na citação da entrevista de 17 de Maio de 1964: «A crítica? Bem vê: nas circunstâncias em que me encontro, a crítica não me poderia ajudar. Ela de resto nunca ajuda um autor».

Fontes:
http://aaventurainterior.blogspot.com/2008/10/entrevista-herberto-helder.html
http://aaventurainterior.blogspot.com/
http://aaventurainterior.blogspot.com/2010/06/humus-de-herberto-helder-rui-torres.html
http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/helder/biogra.html

1 comentário:

  1. Uma entrada que se lê como um (bom) romance policial. Investigação coesa e aprofundada que vai além dos lugares comuns que existem sobre o autor. Acrescento, apenas, um pormenor à tua investigação. Deve-se provavelmente a Herberto Helder a primeira publicação de Mrozek em Portugal. Se não estou em erro, foi ele quem criou a colecção "Livro B" da Editorial Estampa. Uns livrinhos estreitos de capa preta e papel azulado que traziam ao público português autores de quadrantes literários incomuns. O número 2 da colecção é "O Elefante" do autor Mrozeck [sic].

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