quinta-feira, 18 de novembro de 2010

(Informações complementares)

Quero adicionar algumas informações e indicações que me parecem interessantes e relevantes quanto a dois dos meus posts: o último, sobre o esquema de Campbell, e aquele que trata do Bildungsroman, já que ambos se referem, de certa forma, à estrutura d'Os Cus de Judas.

A leitura dum ensaio crítico de Sofia Tavares intitulado Representação e Memória Cultural: o Trauma da Recodração e a Nostalgia da Memória, lendo Os Cus de Judas de António Lobo Antunes (disponível aqui) traz umas indicações interessantes para utilizar na interpretação do livro à luz das categorias de Transformação e de Regresso do esquema de Campbell. Vejamos o trecho seguinte:
«(...) o sujeito sofre um processo de metamorfose passando de opressor a vítima e de vítima a vazio. Esta metamorfose impede o sujeito de se identificar com o passado e com o presente, vivendo para sempre na relação imemorial entre o que não pode ser dito e o que pode, entre o inetrior e o exterior da linguagem. O sujeito mostra-se consciente desta transformação que resulta numa inadaptação ao passado-presente do regresso* (...)»
Revela-se, então, que a transformação que ocorre no protagonista não é somente a nível do seu carácter ou da sua atitude perante a realidade, mas também a nível do seu estatuto - do opressor passa a ser uma vítima, para depois assumir «uma atitude passiva, tornando-se um agente do inumano» (Tavares).
A citação comprova também que a Reconciliação não ocorre, uma vez que depois da metamorfose o protagonista fica inadaptado «ao passado-presente do regresso».

Ora, quanto ao post de Bildungsroman, escrevi lá:
«A maior diferença entre o romance de formação clássico e o moderno consiste, na minha opinião, em que o encontro do protagonista consigo mesmo já não significa a "compreensão mais ampla do mundo" ou, talvez, o protagonista moderno nunca encontra si mesmo?»
O ensaio de Sofia Tavares trouxe-me uma das respostas possíveis:
«O discurso do sujeito em Os Cus de Judas, é um discurso envolto num sentimento de vergonha, vergonha essa que transporta o sujeito para um sentimento de culpa. (...) O que a vergonha descobre é um sujeito que afinal se descobriu a si próprio* (Levinas, 1982: 87), fica assim consignado a algo que não pode assumir e que tem origem na sua própria intimidade.»
 Tavares propõe, então, uma interpretação da formação do protagonista que acaba em ele conseguir encontrar-se consigo mesmo, descobrir-se a si próprio, contudo, esta "descoberta" o repugna, ele rejeita assumir o que encontrou, ou seja, rejeita assumir a sua própria pessoa. Eis de que pode provir a "deformação do romance de formação" nesta obra de Lobo Antunes.

* Todos os destaques nas citações são feitos por mim.

1 comentário:

  1. A tua entrada é muito interessante, a verdade é que o que o narrador descobre depois de voltar para Portugal é o vazio. Ele precisa de contar de novo a sua existencia, precisa de «encontrar-se consigo mesmo», acho que também para conseguir passar de novo pelas suas memórias da guerra precisa da presença da sua interlocutora, com ela ao seu lado ele sente-se mais seguro, sabe que afinal não é sozino.

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