quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A estrutura da obra

Campbell, Joseph (1949): The Hero of a Thousand Faces. Tradução de José Carlos Dias. Obtido via http://www.brainygamer.com/




Eis o esquema da estrutura fundamental dos mitos importantes de várias partes do mundo, o tal chamado "monomito", elaborado por Joseph Cambell. A pergunta é: como (se de alguma maneira) o esquema é relevante quanto ao livro Os Cus de Judas de António Lobo Antunes?

Tratemos a história contada pelo narrador do livro como uma «Viagem do Herói» e tentemos ordenar os acontecimos consoante as categorias do esquema.
Conhecido - Portugal; é a realidade em que o personagem cresceu, o mundo que conhece.
Desconhecido - África; um lugar completamente desconhecido e alheio ao protagonista, diferente espacial, cultural e socialmente. A realidade da guerra também era lhe desconhecida até a partida para a guerra.
Apelo à Aventura - De certeza aparece um certo apelo à aventura, ou seja à partida para a guerra, tanto da parte do estado, como da parte da família, nomeadamente das tias. Há também um certo dever condicionado pela história ou pela tradição familiar (os retratos dos antepassados militares do narrador que o olham da parede como se apelassem para que ele continuasse a tradição).
Limiar - a entrada à realidade da guerra em África constitui a transgressão do limiar a partir da qual começa a transformação do protagonista.
Desafios e Tentações - A estadia em África é sem dúvida o tempo dos desafios e tentações: a luta por sobreviver, o medo e o terror, a presença constante do perigo e da morte, as tentações sexuais.
Abismo (Morte & Renascimento) - Obviamente, o protagonista não morre no sentido físico, mas as mazelas da guerra o fazem morrer como "homem humano". Uma parte dele fica apagada, ele continua vivo, mas na minha opinião o renascimento não ocorre. Talvez seja porque não há nenhuma Revelação. O que acontece com o protagonista é uma profunda desilusão.
Transformação - Mesmo que o renascimento não aconteça, o protagonista passa pelo processo de transformação. Nunca mais será como foi antes. Torna-se um homem desiludido, profundamente cínico e indiferente, incapaz de viver de novo a vida de antes da "aventura".
Reconciliação - Eis a parte do esquema, ao lado da Revelação, que não condiz com a estrutura da obra de Lobo Antunes. Só que a Revelação ficou substituída pela Desilusão, enquanto a Reconciliação não aparece de modo nenhum, é o elemento que falta, o elemento de que a história carece. Provavelmente, se houvesse uma reconciliação, a história do protagonista terminaria de outra maneira.
Regresso - O fim da guerra e o regresso do protagonista a Portugal.

Como se pode ver, embora o esquema mostre a estrutura dos mitos, então obras antigas, enquanto Os Cus de Judas é um livro moderno com muitas marcas indubitavelmente pós-modernas, é possível aplicá-lo a construção desta, no entanto com pequenas modificaçãoes. Talvez seja uma sobreinterpretação, mas mesmo assim vale a pena tomá-la em considerção por um momento: será Os Cus de Judas um mito moderno e o protagonista de Lobo Antunes um "herói mítico" contemporâneo, na medida dos nossos tempos e condições?

2 comentários:

  1. Interessante artigo. Pela importância que tem, gostaria de citá-lo integralmente no blogue e site sobre António Lobo Antunes (www.ala.nletras.com). Se não estiver de acordo com a citação do seu artigo por favor escreva para ala.nletras.com@gmail.com

    Obrigado.

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  2. Peço desculpa, o artigo será citado apenas no blogue em www.alawebpage.blogspot.com

    Obrigado.

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