quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Render dos Heróis

O Render dos Heróis de José Cardoso Pires, publicado em 1960, constitui o primeiro texto teatral português de estrutura épica, a «narrativa dramática em 3 partes e uma apoteose grotesca» (Pires 1970). Nesta narrativa dramática recupera-se acontecimentos históricos do século XIX - o levantamento popular da Maria da Fonte contra o governo cartista de António Bernardo da Costa Cabral (1846) - para fazer deles uma «máscara transparente de uma subtil desmontagem dos mecanismos do poder e da capacidade de resposta das massas populares» (Rebello 1984: 112). Como afirma Luiz Francisco Rebello, a representação desta peça teatral marcou uma data importante na evolução da dramaturgia portuguesa.

A obra de José Cardoso Pires inscreve-se na linha do teatro épico de Bertold Brecht, onde não se actua mas se narra. Adapta também a proposta brechtiana de um distanciamento, que ocorre em duas dimensões. Primeiro, o actor distancia-se da personagem que interpreta. Como afirma o autor do blogue Hablemos de Teatro, «el efecto de distanciamiento no es solamente tomar distancia en cuanto a la mímesis del referente real que toma el actor, por que el actor está consciente todo el tiempo de la distancia que hay entre él y el personaje y entonces adopta una dialéctica didáctica, es decir, un proceso de demostración de que la fabula está siendo contada, narrada, representada por una persona que es un actor y que ha tomado del referente real la información. Eso nos da una disposición especial del actor como narrador».
Em segundo lugar, o espectador distancia-se daquilo que vê. A distância permite uma observação crítica. O teatro brechtiano coloca-se numa posição oposta à tragedia aristotélica que pretendia uma catarsis devido à identificação do espectador com o herói trágico. Na proposta de Brecht, o objectivo é recordar ao público ao actor que a peça teatral é uma ficção. Como declara Sonia Mattalía, «para Brecht, la escena cuenta, la sala juzga, la escena es épica, la sala es trágica» (Mattalía 2008: 755). Podemos então concluir que a proposta de Brecht é uma revivificação de um teatro cívico, em que o palco é sempre um objecto de um Tribunal que está na sala (2008: 755).

Assim sendo, à luz de certos processos assimilados ao teatro de Brecht, O Render dos Heróis ficciona uma analogia entre problemas actuais do seu autor e o levantamento da Maria da Fonte.

MATTALÍA, Sonia (2008) "Ladran, Che! El Teatro de Carlos Alsina", Territorios de la Mancha: versiones y subversiones cervantinas en la literatura hispanoamericana (Asociación Española de Estudios Literarios Hispanoamericanos, Universidad de Castilla La Mancha): 755-762. disponível on-line
PIRES, José Cardoso (1970) O Render dos Heróis. s. l., Moraes Editores.
REBELLO, Luiz Franciso (1984) 100 Anos de Teatro Português (1880 - 1980). Porto, Brasília Editora. 

http://hablemosdeteatro.wordpress.com/2010/01/16/teatro-brechtiano/

1 comentário:

  1. E onde é que há á venda? Já não é editado há 3 anos, este pais é uma vergonha...especialmente quando os senhores do ministerio da educação não se lembram destes promenores e colocam estes livros na matriz do exame de Literatura Portugues de 11º ano...é intelegente realmente!
    Não se admite.

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