quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Felizmente Há Luar!

Como afirma Vitor Manuel Aguiar e Silva, no início dos anos 60 «de forma embrionária, balbuciante nos seus primeiros passos na cena portuguesa, a lição brechteana dava os seus primeiros frutos...» O primeiro passo era a peça O Render dos Heróis de José Cardoso Pires, o passo seguinte - Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro (1961).
Este último devia ter disto perfeita consciência, já que assim redigiu as didascálias iniciais:
«(...) Este gesto é francamente "representado". O público tem de entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos duma linguagem a que tem de adaptar-se. (...) Pretende-se criar, desde já no público, a consciência de que ninguém, no decorrer desta peça, vai esboçar um gesto para cativar ou para acamaradar com ele. (O réu não se senta ao lado dos juízes).» (Monteiro 2008).
Encontramos aqui uma referência directa ao conceito brechteano do teatro épico, bem como ao de distanciamento ou estranhamento, já referidos na entrada passada.
De maneira parecida ao que fez Cardoso Pires na sua obra, Luís de Sttau Monteiro também situa a acção da sua peça  no século XIX, nomeadamente no ano 1817, e aproveita factos históricos relacionado com uma tentativa falhada de revolta popular, supostamente chefiada pelo general Gomes Freire d'Andrade. Durante a peça podemos observar os bastidores do poder, personalizado nas figuras de D. Miguel Forjaz, Beresford e Principal Sousa, e o seu estranho "jogo" que visa o aniquilamento da insurreição pressentida. Devido à falta de provas, é urgente encontrar um bode expiatório - o carismático general Gomes Freire d'Andrade.
D. MIGUEL:
Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado... (Monteiro 2008: 71).

Vitor Manuel Aguiar e Silva chama a atenção para o facto que «em virtude das profundas mutações que a sociedade portuguesa pós 25 de Abril registou, obras como as de Sttau Monteiro (para além de Felizmente Há Luar!) surgem-nos como irremediavelmente datadas» (grifo do autor).
Por conseguinte, para descodificar todo o subtexto e descobrir paralelismos com a situação vigente na altura em que a obra foi escrita, precisamos do contexto histórico em que ela surgiu e que é:
- o início da guerra colonial em Angola (1961);
- as múltiplas exposições de contestação interna (greves, movimentos estudantis);
- os pequenos "goples palacianos" preanunciadores de clivagens internas, no seio do próprio Poder;
- o crescente aparecimento do movimentos de opinião organizados a par da oposição política que, embora reprimida, fazia sentir a sua voz, nomeadamente na exigência de eleições livres (Aguiar e Silva).

O aparecimento desta narrativa dramática coincide então com o crescente descontentamento de intelectuais politicamente mais preparados.
Assim como pouco tempo antes O Render do Heróis de José Cardoso Pires, também a obra de Luís de Sttau Monteiro aproveita personagens e factos históricos como uma estrutura base que serve para lembrar aos contemporâneos que a história costuma repetir-se e será bom ter em conta lições dos seus acontecimentos.

MONTEIRO, Luís Sttau (2008) Felizmente Há Luar! Porto, Areal Editores.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário